sábado, 28 de novembro de 2009
ANNA AKHMÁTOVA
Ela sempre foi uma mulher à frente de seu tempo, lutou pela afirmação de sua liberdade enquanto mulher e preocupada com as injustiças sociais de seu país, mesmo assim, extremamente patriota. Refiro-me a escritora russa Anna Akhmátova, amada e odiada no início do século XX. Apesar da censura, da repressão de um regime stalinista, não calou a voz poética. Deixou essa marca social em sua poesia. Poemas telúricos desfilam em sua produção, fruto de uma consciência cívica e engajamento político-social. Mas vale ressaltar também a sensibilidade quanto a temática do amor, como o poema "À noite". Belo e nostálgico em imagens sinestésicas e arrebatadoras:
A música no jardim
tinha dor inexplicável.
Um cheiro de maresia
vinha das ostras no gelo.
"Ele disse: "Sou fiel!"
e tocou-me no vestido.
Tão diverso de um abraço
era o toque dessas mãos.
(...)
A forma com que tece os versos impressionam pela clareza verbal, musicalidade e rítimo. Como também inscreve em determinados poemas, um tom metalinguístico. Exemplo dessa afirmação está no poema a seguir. Um dos mais belos, simples e completos que já conheci.
ÚLTIMO POEMA
Um, qual ansioso trovão,
irrompe pela casa com o hálito da vida,
gargalha e a goela sacoleja,
bate palmas e saracoteia.
Outro, nascido no silêncio da meia-noite,
vem sorrateiro eu não sei de onde,
olha para mim do espelho vazio
e murmura para mim alguma coisa austeramente.
Outros são assim: à luz do dia,
quase como se não me vissem,
fluem através da página branca
como um riacho puro na ravina.
E mais este: misteriosamente ele perambula -
sem som nem cor, sem cor nem som,
escava, serpenteia, enrosca
e escapole vivo entre as minhas mãos.
E este então... gota a gota bebe-me o sangue
como aquela garota malvada da juventude - o amor;
depois, sem me dizer uma só palavra,
fica de novo calado.
Jamais experimentarei dor mais cruel.
Ele foi-se embora, seus passos me levando
ao mais extremo limite dos limites
E eu, sem ele... sinto-me morrer.
1/12/1959 Leningrado
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