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domingo, 24 de maio de 2009

JOÃO CABRAL: “Poesia me excita muito”


"Após o banho", William A. Bouguereau, séc. XIX


A LINGUAGEM SENSORIAL PODE SER ERÓTICA


Apesar da rica fortuna crítica que existe sobre a poética do escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto, e dos estudos sobre o rigor formal em sua obra, pouco se falou sobre a temática erótica que o poeta insere no livro “Quaderna”, uma linguagem lírico-erótica-velada. Principalmente no poema “Paisagem pelo telefone” (leia aqui o poema completo).


Os órgãos dos sentidos quando tocados com desejo provocam a libido. Aparentemente não seria esse o caso no poema “Paisagem pelo telefone”, porque não há indícios de contato físico, há um distanciamento de corpos (o contato é por telefone), mas também há uma espécie de ritual erótico, de strip-tease nas imagens comparativas (sempre que no telefone/ me falavas, eu diria (...) e até mais, quando falavas/ no telefone eu diria/ que estavas de toda nua,). O termo sempre, implica um ato constante ou que aconteceu mais de uma vez. Portanto, nas entrelinhas desse verso, lê-se a possibilidade de um contato mais íntimo, tal é a ênfase que o poeta dá ao estado de nudez da mulher.


Essa percepção está na idéia de luz, que se faz presente através da voz. Essa voz, é que faz o poema ser todo de luz, refletido em suas poderosas metáforas: cristais, brancas, límpidas, salinas, água, claras. Todas remetem ao corpo, a pele dela que, coberta com uma roupa mínima de banho, já provoca os sentidos do poeta e mais quando despida: só de teu banho vestida, /que é quando tu estás mais clara/ pois a água nada embacia. O termo mais indica intensidade. Por isso que quanto mais a água escorre pelo corpo, mais clara e exposta se torna a nudez: a água clara não te acende: / libera a luz que já tinhas. A água que sacia a sede fisiológica também comunica com extrema sensibilidade.


Pelas sinestesias comprovar-se-á então, que o sentido do ouvir: tua voz me parecia (...), desperta e desencadeiam outros sentidos que incendeia a intimidade, visão: toda de luz invadida (...) / libera a luz que já tinhas; tato: fresca e clara, como se/ telefonasses despida. A descrição que o poeta faz da mulher, explora todo o campo sensorial, culminando num envolvimento quase tátil do eu poético com o seu objeto de desejo, a mulher. É como se ambos estivessem envolvidos corporalmente, num momento íntimo de prazer.


Não seria hiper interpretação uma possível comparação desse recorte, com um serviço de rede telefônica - que surgiu mais precisamente na década de 90 – o qual disponibiliza mulheres de vozes sensualíssimas a “venderem” orgasmo pelo telefone. É pura e simplesmente a voz que estimula, desperta a imaginação e a volúpia de quem está do outro lado da linha, conduzindo-o ao clímax. Muitas vezes pela masturbação. O poeta pantaneiro Manoel de Barros foi explícito ao descrever no poema “Pêssego”, a sensação indescritível que a voz provoca: Proust/ Só de ouvir a voz de Albertine entrava em/ orgasmo (...).


Ora, o leitor mais atento à poética de João Cabral, e conhecendo a sua técnica discursiva (embora o poeta não tenha feito menção a essa possibilidade de leitura em sua poesia), concordaria que tal comparação é possível, sim, mas com uma ressalva: o que sobressai na poética de JCMN é o erótico velado, numa perspectiva da “realidade visual ou visualizável”. O que Ezra Pound (apud Athayde), denominou de fanopéia.

Mesmo na linguagem erótica, o poeta continua atento ao rigor formal. E não despreza o teor afetivo no trabalhar dessa técnica. Sobre essa obsessão ele explica em entrevista:

Poesia me excita muito (...). Poesia é linguagem afetiva, e assim é que tudo pode ser tratado poeticamente. (...) A poesia não é linguagem racional, mas linguagem afetiva. Dirige-se à inteligência, sim, mas através da sensibilidade (ATHAÍDE, 1998, p.71,73).

Portanto, vê-se que a sensibilidade na poética de JCMN não é um jorro de palavras “concebidas” do inconsciente, mas uma poética sensorial construída a partir de elementos racionais.


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